sexta-feira, 8 de junho de 2012

Irmãos: entre abraços e cascudos


Rafael é o súdito mais fiel do reino do príncipe Felipe. Seus olhinhos acompanham, brilhantes e sorridentes, cada passo do irmão mais velho. Felipe interage com o Rafa, normalmente, de duas formas: dando-lhe uns cascudos, quando está com ciúmes, ou com seu abraço de urso, daqueles bem apertados, quando está feliz com a companhia do irmão caçula, de 9 meses. Em ambas as situações, eu e Carlos imediatamente corremos para socorrer nosso bebezão. E percebemos que o Rafa está, simplesmente, rindo à beça, adorando a bagunça! Mas, apesar de ficar muito feliz de ver o amor que começa a nascer entre os irmãos, tenho uma certa preocupação com o relacionamento deles no futuro.

Essa semana li no blog Todos somos semelhantes os comentários de Gislane, mãe do Matheus, sobre o filme Sei que vou te amar, que retrata a vida de uma família com um dos filhos autista. Ainda nem assisti, mas a história já me tocou muito profundamente. A mãe está grávida e, com pré-eclampsia, precisa ficar de cama. Assim, Thomas, de 16 anos, precisará cuidar de seu irmão mais velho, Charlie, com autismo não verbal. Antes desse início de contato, o irmão nao tinha vontade de fazer nada com Charlie. Muitas vezes, ele comenta com o pai que gostaria de acordar ao lado de um irmão normal. E durante uma conversa com Charlie ele conta o quanto odiou ser irmão de uma pessoa com tantas dificuldades - Charlie entende tudo que ele fala... A convivência forçada transformará esse relacionamento, mas não sei o fim. Espero que seja feliz.  

A verdade é que o autismo tem um conjunto peculiar de comprometimentos que colocam os membros de uma família em uma situação delicada. Pesquisadores dessa área sugerem uma lista de estressores que irmãos de crianças com autismo podem vivenciar, tais como: mudanças de papéis na família, perda ou ausência de atenção dos pais, sensação de vergonha frente aos colegas devido ao comportamento bizarro que crianças com autismo podem apresentar.

Aqui, já faço um mea culpa: no dia a dia, acabo dando mais atenção ao Felipe, que tem quase 6 anos, que ao Rafa, que ainda é um bebê. Felipe faz uma série de terapias, o que diminui o meu tempo em casa com o Rafa. E, se os dois começarem a chorar ao mesmo tempo, é ao Felipe que vou atender, porque não quero que ele fique muito angustiado. A não ser quando o Carlos ou o Daniel (o super-irmão dos meninos por parte de pai, de 14 anos) estão por perto, pois eles têm o dom de inventar brincadeiras malucas que fazem nosso príncipe parar de chorar. Enfim, estou tentando conseguir equilibrar a atenção que dispenso aos dois, juro.

Mas a questão do constrangimento é a que mais me preocupa. Embora tenha fé que Felipe voltará a falar e conseguirá vencer os obstáculos que impedem seu desenvolvimento, não ignoro a probabilidade de ele carregar a dificuldade de comunicação, interação e "adequação" social. É comum que pessoas autistas não consigam controlar surtos e estereotipias (movimentos repetitivos de auto-estimulação, como balançar o corpo para frente e para trás, balanças as mãos, mexer os dedos na frente dos olhos, emitir sons vocais). Felipe, hoje, não apresenta muitas estereotipas - range os dentes quando está tenso; às vezes, ao ficar muito nervoso, balança as mãos; e tem a mania de levar objetos à boca. Mas, como já contei aqui, ele não reconhece limites e, às vezes, faz coisas como gritar em público ou se aproximar de pessoas desconhecidas para tocá-las ou para pegar algo que elas estejam comendo. Além disso, lugares barulhentos e muito confusos o deixam nervoso - temos evitado festinhas de aniversário, por exemplo.

Se nós, pais, ficamos sem graça com esses comportamentos (cada vez menos, pois hoje sabemos, definitivamente, que há coisas muito mais importantes do que as aparências), imaginem como se sente um irmão. E vale frisar: Felipe ainda é criança, o que torna qualquer comportamento fora do padrão mais aceitável. Como se sentirá o Rafa, ainda mais quando seu irmão mais velho já for um rapaz ou um homem?

A nós, pais, por enquanto, cabe estimular o fortalecimento desta amizade -  a relação fraternal é, via de regra, a mais duradoura da vida de uma pessoa. Vamos continuar incentivando os abraços, beijos e carinhos entre esses dois principezinhos. Que, quando me olham - os dois, com seus olhos tão expressivos - parecem estar me dizendo: "Mamãe, fique tranquila! Vai ficar tudo bem!".