quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Verbal ou não-verbal, eis a questão

"Isso é muito chato!". A explosão de Felipe veio durante os exercícios que fazia, meio contrariado, na sessão de fonoterapia. Pois é, ele falou. E não só falou, como falou uma frase inteira e totalmente contextualizada. É claro que eu estou que nem uma boba contando pra todo mundo a façanha do meu filho, né?

De vez em quando sou questionada se Felipe é autista verbal ou não-verbal. Foi assim quando conversei pela primeira vez com o professor de natação, com a fonoaudióloga, com a psicóloga especializada em ABA (Applied Behavior Analysis, um tipo de intervenção comportamental, que ele acaba de começar), com as escolas que visitei. Não sei responder. Felipe não conversa. Apresenta um pouco de ecolalia (que é a repetição de palavras/frases que ouviu, soltas, fora de contexto), pede algumas coisas (pipoca, batatinha, amendoim, bala) e, ÀS VEZES (em letras maiúsculas e negrito) responde a algo que a gente pergunta, monossilabicamente. Mas a maior parte do tempo só faz barulhinhos com a voz. Não sei se ele é considerado verbal.

Nem por isso deixo de conversar com meu filhote. Pergunto como foi na escola, se ele brincou com os amiguinhos, se a tia Aline contou historinhas, se ele fez algum trabalhinho bem legal. Ele não responde nada, mas eu continuo perguntando. E falo sobre coisas que vamos fazer, tipo: "Esse fim de semana vamos pra Miguel Pereira. Você adora ir pra lá, né? Você vai brincar com o Tupã?", questiono, referindo-me a um dos cachorros da minha irmã.

Na rua, a situação é sempre meio esquisita. Lindo que só (ai, que mãe modesta), Felipe chama a atenção de desconhecidos, que querem puxar papo com ele. Como ele não responde às perguntas das pessoas, respondo eu. Devem achar que eu sou uma mãe repressora, que não deixa a criança falar, hehehe... Outro dia um ascensorista me perguntou se ele estava com algum problema na garganta! Fico numa saia justa porque não gosto que Felipe me ouça dizer que ele é autista e por isso não fala. Porque não quero que ele acredite nisso. Ele pode falar, sim. 
 
Li recentemente num artigo a história da adolescente americana Carly Fleischmann, autista não-verbal que, quando criança, parecia não ter habilidade alguma. Carly estava sempre em constante movimento, destruindo coisas (o comportamento de Felipe é bem semelhante), ou sentada sozinha se balançando. Ela tinha um aparelho de comunicação com figuras para mostrar o que queria e um professor ia deletar a função teclado do aparelho quando, um dia, ela digitou: “ajuda dentes doem”. Depois que isso aconteceu, um programa foi iniciado para ensiná-la mais palavras. Todos os objetos na casa receberam rótulos. Carly estava absorvendo uma quantidade enorme de informação, apesar de parecer que ela não estava prestando atenção em nada.

Carly hoje consegue explicar, via escrita, que pensa em imagens, que chegam a ela todas de uma vez. Filtrar todos os estímulos sensoriais que acontecem ao seu redor é difícil e ela, frequentemente, tem dificuldade para entender o que as outras pessoas estão dizendo. Por exemplo: se ela está em um café com outra pessoa, o barulho ao fundo, relativamente baixo, assim como os estímulos visuais, até podem ser filtrados. Mas sua capacidade para “filtrar o áudio” de repente fica sobrecarregada quando alguém passa por sua mesa usando muito perfume. Então, os sons (previamente filtrados) da cafeteira e a visão da porta abrindo e fechando entram em sua mente e bloqueiam a conversa. Tudo se transforma em caos. Nesse ponto, controlar uma “crise” é praticamente impossível. Para isso, ela precisa de medicação e muito autocontrole.

Por que estou contando isso tudo? Porque acredito que, aos poucos, vamos conseguir ajudar Felipe a pôr ordem na sua cabecinha. Como Carly está conseguindo. Enquanto isso, vou super comemorando cada pequena vitória. Sabe qual foi a última? "Felipe, quantos anos você tem?" "Seis anos." Aaaaaaahhh!!! Não é o máximo?


Em Miguel Pereira