quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Já ensaiando a dancinha da vitória

- Ele me bateu!

Dia desses, Felipe (que fez 7 anos), veio fazer queixa do Rafael (que acaba de completar 2). Com carinha de sentido, o grandalhão repetiu a frase acima umas dez vezes seguidas. Ficou magoado mesmo com o irmão caçula. Para a maioria das mães, não há motivo para comemoração neste episódio. Para mim, as palavras de Felipe foram a injeção de ânimo de que eu precisava para continuar batalhando pelo seu desenvolvimento. Meu filhote compartilhou algo comigo, iniciou um diálogo, se comunicou de maneira totalmente adequada. Irmãos, até mesmo quando enchem o nosso saco, dão uma ajudinha para o nosso crescimento, né?

Para quem não está entendendo o que quero dizer, Felipe costuma falar palavrinhas soltas, às vezes contextualizadas, outras não (ou talvez sim, e nós é que estamos fora do contexto), e forma pequenas frases para pedir algo. Basicamente "quero x" (suco, ou batatinha, ou pizza, ou cachorro-quente, ou bala... nossa, o repertório de guloseimas até que é vasto!) e "abre a porta" (que às vezes é substituída por "casa da vovó!", quando ele resolve ser mais direto e dizer logo o motivo de querer fugir de casa).

Então, essa novidade foi super comemorada por mim, pela nossa família e pela "equipe multidisciplinar" do príncipe Felipe (professora, mediadora escolar, terapeuta comportamental, fonoaudióloga, professor de natação... ufa!). A verdade é que, às vezes, não curto as conquistas tanto quando elas merecem, pois o foco está no próximo passo, nos próximos ganhos. Há sempre o medo de estar perdendo o bonde, o que faz com que eu me concentre tanto em pesquisar novas abordagens que possam contribuir para o aprendizado do rapazinho que acabo não me concentrando no aqui e agora.

Mas Felipe tem tido outros avanços: a concentração melhorou e ele já consegue ficar até uma hora sentado fazendo as atividades pedagógicas com a terapeuta. Na escola, segundo a professora e a mediadora, quase não tem mais usado o choro como forma de se comunicar (em casa, bom... todos sabem que santo de casa não faz milagre!).

Ainda segundo a mediadora, a psicóloga Karina, que há quase dois anos o acompanha no período escolar, "Felipe está nomeando as coisas mais espontaneamente, e chama os amigos pelo nome". E vejam o relato de ontem da Raquel, terapeuta comportamental: "Hoje trabalhamos compreensão utilizando o livro dos 3 porquinhos e os fantoches. Felipe ia me dizendo, em alguns momentos com auxílio, as cenas que estavam no livro e íamos imitando com os fantoches. Ele participou muito da brincadeira! Manteve olhar compartilhado e demonstrou interesse pela mesma." Pode parecer simples pra alguns, mas pra gente é tipo... Uauuuu... Ah, e ele nunca mais fez xixi nas calças (exceto dormindo, mas calma, né, a gente chega lá!). Então, pensando bem... tenho razões suficientes pra começar a ensaiar a dancinha da vitória, não?

Rafa enchendo o saco do Felipe, mas dessa vez foi com beijos e não com tapas!

Vitória, filhão! Hehehehe

terça-feira, 30 de julho de 2013

Linda não é fictícia

Quando soube que “Amor à vida” teria uma personagem autista, confesso que fiquei um pouco receosa. Qual seria a cara do autismo no horário nobre? Quem convive de perto com o transtorno sabe que ele pode ter muitas caras. Autistas que balançam o corpo. Que não falam. Que falam sem parar. Quietos demais. Agitados demais. Autistas que jamais aprendem a ler ou escrever. Autistas cotados para ganhar o Nobel de Física.

A questão é que, quando retratado no cinema ou na TV, o autismo — uma disfunção que afeta a capacidade de comunicação, de socialização e de comportamento — é, geralmente, de grau leve. E, assim, o espectador segue sem conhecer melhor as dificuldades que envolvem pelo menos 1 milhão de brasileiros.

Mas a cara do autismo na novela das nove não é maquiada. Linda, aos 20 anos, apresenta um atraso de linguagem severo, faz xixi na cama e tem crises desmedidas quando se desequilibra emocionalmente. Linda não é fictícia. Linda é bem real. E Bruna Linzmeyer a interpreta com maestria.

Torço muito para que todas as mães e pais estejam assistindo à novela. E entendam que aquela criança que viram no parquinho com comportamento inadequado talvez não seja mal-educada, mas sim, autista. E até incentivem seus filhos a fazer amizade com ela. Torço para que todos os professores estejam vendo a novela. E se interessem em conhecer a melhor forma de ensinar essas crianças com dificuldade de aprendizagem. Torço para que todos os brasileiros estejam acompanhando a novela. E se lembrem de Linda quando meu filho ou qualquer outro autista cruzar seus caminhos.



O texto foi escrito para a Revista da TV, do Globo, no dia 28/07/2013 (para visualizar no site do jornal, clique aqui).

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Um prenúncio do temido bullying


- Vamos embora, Bia, lá vem o "favelado" - disse Júlia, 5 anos, para a prima de 7, ao ver Felipe se aproximando do parquinho.

Júlia e Bia já tinham cruzado com Felipe na pousada algumas vezes e o viram correndo pra lá e pra cá, dando seus gritinhos engraçados, divertindo-se de forma um pouco diferente da convencional e tendo pequenas crises de irritabilidade. É claro que não fiquei zangada com a pequena e ri da palavra politicamente incorreta que ela escolheu: "favelado", quando o que ela pensava mesmo é que meu filhote era um baita dum mal-educado (e as duas palavras não são sinônimas!)... Mas é claro que essas situações sempre me fazem ficar preocupada com o que poderá vir pela frente, talvez na adolescência: o tão temido bullying.

No dia seguinte, mais um encontro no parquinho. Dessa vez, foi a Bia quem disse pra Júlia, quando a viu entrando num túnel ao mesmo tempo em que Felipe entrava na outra extremidade:

- Se eu fosse você, não entrava nesse túnel...

Júlia então percebeu a presença do meu príncipe e... ai, caramba, fugiu como o diabo foge da cruz. Decidi pedir uma ajudinha das duas pra cuidar do Rafa num brinquedo (bebês são irresistíveis com as meninas, hehehe) e assim acabei puxando papo com as primas, uma carioca e a outra, paulistana. E aí a Júlia me perguntou: "Quantos anos ele tem?", apontando para o Felipe, quase pedindo uma explicação para o fato de um menino tão grande não falar e  fazer tantas "besteiras". Aproveitei a deixa pra apresentá-la ao autismo.

- Ele vai fazer 7. Mas ele não fala e te parece um pouco estranho porque ele é autista, sabe o que é isso? Significa que o cérebro dele funciona de forma diferente, o que faz com que ele tenha dificuldade de se comunicar e de se relacionar com as pessoas. Mas ele gosta de muitas coisas que você gosta, como ir à piscina, no pula-pula... E fica muito feliz quando as outras crianças falam com ele e querem ajudá-lo a participar de uma brincadeira!

Júlia prestou atenção, fez um "Ã-hã", e vida que segue. Pelo menos, a partir daí, as meninas não fizeram mais comentários que pudessem deixar o Felipe triste (embora ele, aparentemente, estivesse alheio às sutis ofensas, mas nunca se sabe). É claro que tudo isso é coisa de criança e o alvo poderia ser qualquer um: o colega gordinho, o que usa óculos, o de outra etnia ou simplesmente um com quem o santo não bate. Mas, como não posso ensinar meu filho a se defender, e como sei que a maioria das mães, por falta de proximidade com o assunto ou mesmo desconhecimento, não conversa com seus filhos sobre pessoas com deficiências, achei que convinha falar.

Aliás, faço aqui um parênteses: quando eu era criança, tive um colega de classe que não falava. Eu não sabia o que ele tinha, só lembro que alguém me disse que ele não era surdo, como eu supunha. Ninguém nunca me explicou qual era o "problema" dele. E ele tinha um irmão - esse não tinha dificuldade de fala, mas era agitadíssimo, vivia quebrando as coisas e fazia muitas "besteiras" (como o Felipe, hehehe). Todos o achavam meio "retardado" - palavra horrível, eu sei, mas era a que usávamos na época, infelizmente. Nunca me aproximei deles pra brincar...

Então, se eu puder fazer um pedido a cada mãe ou pai que lerem esse texto, é que, quando houver uma oportunidade, explique aos seus filhos, de maneira lúdica, sem parecer um drama, o que é autismo. E TDAH. E Síndrome de Down. E porque algumas pessoas usam cadeiras de rodas. E que não é para rir do coleguinha se ele fizer xixi ou cocô na calça, por exemplo, ou se ele babar, ou ainda se ficar balançando as mãozinhas de maneira diferente. E que, por mais "batida" ou piegas que essa frase te pareça, SER DIFERENTE É NORMAL. Temos tido muitas provas ultimamente de que vááários adultos ainda não aprenderam essa lição, não é mesmo?



sexta-feira, 12 de abril de 2013

Uma ferida quase cicatrizada


Há um ano, participei da caminhada do Dia Mundial da Conscientização do Autismo pela primeira vez. No 2 de abril de 2012, havia apenas 3 meses que o diagnóstico do Felipe fora fechado, aos 5 anos e 5 meses - Transtorno Desintegrativo da Infância, que integra os Transtornos do Espectro Autista (TEAs) -, apesar da certeza que me acompanhava havia muito tempo de que algo estava errado. Lembro de ter comentado com o Carlos sobre a caminhada que aconteceria e de ele me dizer, enfático: "Vamos lá". Eu titubeei. Não sabia bem o motivo, mas não estava totalmente à vontade em ir ao evento.

Mas lá fomos nós - eu, Carlos, Felipe e o pequeno Rafa, então com 6 meses de idade - para a Praia do Leblon. E, no meio do caminho, encontramos um querido colega de trabalho, que estava lá por acaso, para se exercitar. Carlos cumprimentou-o com a simpatia de sempre e deu uma breve explicação sobre o que fazíamos ali. Eu fiquei muda, paralisada.

Eu não estava envergonhada por ter um filho autista. Estava envergonhada por não ter, nunca, sinalizado para ninguém (exceto os muito íntimos) que havia algo diferente com nosso filho. Quando algum conhecido perguntava "Como está o Felipe?", eu sempre respondia "Bem!". E quando falavam coisas do tipo "Ah, está na fase dos porquês, pergunta tudo, né?", eu ria, dizia "É..." e saía de fininho. Não sabia o que dizer... Deveria começar a desfilar nossas angústias em relação a Felipe? Contar que não, meu filho nunca perguntou o porquê de nada, pois mal podia falar?


Aquela era uma ferida aberta e toda vez que eu decidia enfiar o dedo nela acabava chorando descontroladamente de tanta dor. Mas, depois do diagnóstico, me incomodou muito que amigos e colegas não soubessem o que estava acontecendo. Eu me sentia mentindo para todos.

Poucos dias depois da caminhada, criei este blog. E muita gente quis saber mais sobre o Felipe. Alguns amigos que nunca haviam tido contato com o autismo, passaram a me enviar links de matérias, artigos e pesquisas envolvendo o tema, ou dicas de livros e seminários. Conhecidos e desconhecidos vieram me pedir ou me dar recomendações de médicos e terapeutas. E essa foi a minha terapia. Obrigada por isso.

Nesse 2 de abril que passou, fiz campanha no Facebook para divulgar a data e convidei amigos para irem à caminhada vestidos de azul, a cor que representa o autismo. Com meus dois rapazinhos e meu rapagão super gripados e febris no dia, acabamos chegando no finzinho do evento. Mas a tempo de falar com conhecidos com alegria e tranquilidade por estar ali. Hoje, o autismo é uma ferida quase cicatrizada na minha pele.




Felipe passa o posto de príncipe para o Rafa. Agora, ele se acha o rei da casa!


quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

A estreia na nova escola

As aquisições vêm devagarinho, na contramão da rapidez que vejo lá fora. Enquanto as mães dos amiguinhos lamentam que seus filhos já não sejam mais bebês e que estejam se tornando pessoinhas tão independentes, tudo o que eu mais quero é que o meu, aos 6 anos e meio, deixe de ser um bebê. Em compensação, os pequenos progressos renovam minhas esperanças.

Vejam só:

Lu, fizemos muita bagunça com espuma de barbear! Felipe amou e nomeava as partes de seu corpo para eu colocar o creme! Acho que a terapia agora será no banheiro! A mensagem, via SMS, chegou quinta passada. Era da Adriana, fonoaudióloga que começou a atender o Felipe recentemente.

Hoje fizemos uma atividade com animais. Felipe sabia o nome de todos e conseguiu achar todos os pares. Depois fizemos uma atividade de agrupar as cores, ele entendeu logo e acertou todas. O melhor foi quando eu fui buscar seu remédio e, quando voltei, Felipe tinha ido ao banheiro fazer xixi sozinho e fez tudo certo. Está virando um rapaz! Em relação aos amigos, ele se aproximou mais da Pilar hoje, trocaram vários abraços e beijos. Uma hora um amiguinho chorou e Felipe se aproximou, deu um beijo e falou "não chora" . O relato que chegou por e-mail, na quarta passada, é de Karina, mediadora escolar de Felipe há um ano. Era o terceiro dia de aula dele na nova escola.

É claro que nem sempre tudo é festa. Tem muito choro por motivos que não entendemos, comportamento opositor, muita agitação e a linguagem não progrediu muito. Mas vamos lá, muita calma nessa hora.

Ando meio sumida do blog porque, nesse período de mudanças, eu queria me dedicar mais à observação do desenvolvimento do Felipe. Mas precisava dar uma passadinha aqui para contar a todos que conseguimos (ufa!) uma escola para o principezinho. Essa é a mudança principal e que agora é o foco de nossas atenções. A escolhida é uma instituição regular, mas com um projeto estruturado de inclusão de crianças especiais. Já havíamos tentado vaga no ano passado, mas, na ocasião, não rolou. E eu chorei muito por isso. Só que, para quem acredita, Deus escreve certo por linhas tortas: 2012 acabou sendo um ano de estreitamento de laços importantes do Felipe com os amiguinhos da antiga creche.

Agora, Felipe está no primeiro ano do ensino fundamental, mas numa classe especial de alfabetização chamada de Alfa. São 6 crianças com dificuldades de aprendizagem. A ideia é que, quando estiverem alfabetizadas, elas sejam inseridas nas classes regulares. Por enquanto, trabalham a socialização em aulas como educação física e artes e no recreio.

Na minha visão, essa proposta tem pontos positivos e negativos. A vantagem é que o ensino na classe especial é num ritmo possível para o Felipe, com um currículo adaptado para a sua forma de aprender. O negativo é que os coleguinhas com quem Felipe está a maior parte do tempo, assim como ele, não interagem muito, pois não sabem bem como fazer isso. E aí a socialização fica, acho, um pouco prejudicada. Posso estar errada, claro.

E já que o assunto é o convívio de crianças especiais e neurotípicas (nome difícil para crianças com desenvolvimento normal) no mesmo ambiente escolar, queria fazer aqui uma ode à inclusão! Por que vale a pena incentivar o convívio de seu filho com uma criança especial? Porque ele vai conhecer melhor as diferenças e, portanto, dificilmente vai se tornar uma pessoa preconceituosa. Porque ele vai aprender que não existe só um jeito de brincar, ou de se comunicar, ou de ser, e se tornará alguém mais flexível. E porque ele vai aprender que estamos aqui para ajudar uns ao outros. Certo?

Até!

O sorrisão de Felipe ao experimentar o uniforme da escola nova

 

Felipe (à esquerda), na formatura da creche, com os amigos do peito