quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Adeus, remédios

Quando Felipe tinha 4 anos, entrou num processo de regressão do desenvolvimento. O quadro começou com crises de birra, noites de insônia, ataques de pânico e muita agitação, evoluiu para ansiedade extrema, agressividade e depressão e, no fim, houve a perda da linguagem e de habilidades já adquiridas. Foi um período de muito sofrimento para ele e para a nossa família. Depois de alguns meses de hesitação, nos demos por vencidos e, por recomendação médica, nosso principezinho começou a tomar medicação controlada.

O X*, neuroléptico mais usado em pacientes com Transtorno do Espectro Autista (que é, na verdade, um remédio para sintomas de esquizofrenia), nos causou um alívio imediato. Felipe voltou a dormir e a sorrir, a agressividade desapareceu. Se no auge da crise era impossível para a creche onde ele estudava mantê-lo em sala de aula, aos poucos, junto com a mediadora, ele voltava a participar das atividades escolares.

Mas, passado um tempo, a agitação voltava a aumentar, assim como a tristeza. E, à medida que mais lágrimas escorriam de seus lindos olhos verdes, íamos "ajustando" a dose (sempre com acompanhamento médico, claro). Começamos com 0,25ml antes de dormir, passamos para 0,5ml, depois 1ml em duas doses... Finalmente, chegamos a 3ml diários.

Mas, como a perda de linguagem poderia ser indício de crises convulsivas imperceptíveis (inclusive não detectadas pelo eletroencefalograma), foi receitado o Y*, que é um remédio para epilepsia e também um estabilizador de humor. E já que a tristeza e a ansiedade reapareciam, foi inserida a Z*. A agitação não o deixava aprender, então tentamos a polêmica R*, a tal "droga da obediência" - neste caso, por apenas três dias, pois os efeitos dela no cérebro do nosso principezinho foram catastróficos. E quando a insônia voltou, a W* entrou.

Já entenderam onde quero chegar? A minha conclusão, passado um tempo, foi a de que a medicação controlada não resolve o problema. Ela mascara os sintomas indesejáveis, mas com o tempo o organismo se acostuma e pede mais, e mais, e mais. Cheguei ao cúmulo de ver no meu filho o efeito que, em farmacologia, é chamado de "zombie like". Ele ficava paradão e babava um pouco. E meu coração ficava do tamanho de um feijãozinho. Então, decidimos dar adeus aos remédios, começando pelo Y* e pela Z*.

Com muito medo do que viria pela frente, há alguns meses começamos a reduzir a dose do X*. Atualmente Felipe toma uma dose mínima, e estamos caminhando para a retirada total. Com ajuda da melatonina, o hormônio natural do sono, nossas noites só continuam movimentadas por causa do tagarela do Rafa, que fala até dormindo.

Dois pica-paus que se divertem muito juntos!
E o Felipe está segurando a onda. Agitado, sim, mas sem nenhuma agressividade ou sinais de depressão. Seu sorriso conquistador está sempre ali para cativar a todos. Está se interessando mais pelos brinquedos e pelos joguinhos do iPad, pois a concentração melhorou. Qual a fórmula? Temos investido num composto milagroso de alimentação mais saudável (ainda longe do ideal, confesso), exercícios físicos, muita dedicação, amor... e terapias, claro.

Não sou uma pessoa radical em nada e sei que mais para frente podemos mudar de ideia. Acredito que em alguns casos a medicação pode ajudar, sim, no processo de aprendizado. Essa foi a nossa opção AGORA. Aos poucos, fomos entendendo o que angustia o Felipe e assim vamos tentando ajudá-lo. É claro que muitas vezes a cabecinha dele é um mistério e nem sempre conseguimos decifrar um choro, por exemplo. Nesses casos, a gente apela... pros beijinhos e pra cosquinha! Santo remédio!

* Achei melhor omitir o nome dos remédios, mas vale frisar que todos são controlados e, portanto, somente são vendidos com receita médica.

sábado, 28 de junho de 2014

50 tons de autismo


- Seu filho é autista? Ah, mas, apesar de autistas terem suas limitações, são muito inteligentes, né? Verdadeiros gênios! Já viu aquele filme 'Rain Main'?

Não sei quantas vezes eu já tive essa conversa. Aí vem a minha explicação de que nem todos são assim. Que enquanto alguns autistas têm vida normal, apenas com uma limitação para compreender metáforas e ironias, ou uma ansiedade exacerbada, que dificulta que estejam no meio de multidões, outros têm que ser protegidos de si mesmos devido a comportamentos de auto-agressão, ou precisam usar fraldas mesmo depois de adultos (lembrando que a intervenção precoce é sempre a melhor maneira de ajudar os autistas a evoluírem dentro do espectro). Ah, e tem os gênios, claro.

Eu já estive neste lugar. Não sabia nada de autismo até ser mãe do Felipe. Achava que todos os autistas ficavam olhando para o alto e balançando o corpo. E não me importo nem um pouco de explicar que existem 50, 100, infinitos tons de autismo. E que meu filho talvez esteja ali no centro dessa escala.

Há famílias que chamam o autismo de bênção, e exaltam as características singulares de seus filhos. Outras que nunca se recuperam da perda da criança idealizada. É óbvio que a diferença, aí, está no grau de autismo. E eu? Bom, estou longe de achar que o transtorno é só um traço da personalidade de Felipe...

Não queria que meu filho tivesse que passar por tantas dificuldades. Adoraria levá-lo para se divertir numa festa infantil sem que ele ficasse nervoso com a confusão, que ele pudesse ir ao cinema sem que o som alto e as imagens rápidas e sucessivas o deixassem em pânico, que ele conseguisse brincar com as outras crianças sem que elas se afastassem porque não entendem seu jeito de ser.

Queria que ele pudesse me dizer qual é sua cor preferida e qual dos super-poderes dos heróis ele acha mais legal. E, enquanto a maioria das mães reclamam dos apelos consumistas de seus filhos, adoraria que o meu filho pedisse por um brinquedo carérrimo no seu aniversário. Porque, na verdade, é muito difícil descobrir algum que ele se interesse.

Queria, mais do que tudo, entender o que Felipe quer me dizer no auge de suas crises de raiva e frustração.Tenho momentos de desânimo, de impaciência... Muitos! E se existisse uma pílula milagrosa que fizesse desaparecer esses obstáculos da vida do meu filho, eu daria a ele.

Mas... (tem que ter um mas!) também estou longe de achar que ter um filho autista é uma lástima. E, como virou moda fazer listas, aí vai o meu Top 10 de como é bom ser mãe do Felipe:

1) O sorriso do Felipe é qualquer coisa de extraordinário. Todo o seu rosto se ilumina.
2) Felipe rejeita totalmente o senso comum de que "autistas se isolam" e adora estar perto de gente! Seus abraços de urso deixam os estranhos um pouco desconcertados no início... mas depois eles se apaixonam!
3) De uns tempos pra cá, Felipe deu pra balançar o corpo timidamente quando ouve uma música. Own... é muito fofo.
4) Ou ele cantarola alguma canção que nem sempre conseguimos descobrir qual é, mas não importa: é a coisa mais linda!
5) As gargalhadas de Felipe quando fingimos que vamos mordê-lo ou quando o pai brinca de jogá-lo na cama são contagiantes!
6) Quando está dormindo, Felipe parece um anjinho, dá vontade de ficar enchendo de beijos! (tá boooom, qualquer criança dormindo parece um anjinho...)
7) Felipe metido a independente é divertidíssimo! Vai na geladeira, pega prato no escorredor, talher na gaveta... e se serve sozinho!! A gente encontra depois os rastros...
8) Ele enche o saco do Rafa, como qualquer irmão, hehehehe... E morre de rir quando o caçula se cansa e parte com tudo pra cima dele!
9) O esforço de Felipe pra falar uma ou duas palavrinhas é digno de admiração. Não é fácil pra ele, mas ele está tentando!
10) Meu filho é lindooooooo!!!

Já viram um palhacinho banguela mais bonito do que esse?



segunda-feira, 17 de março de 2014

O sorriso sumiu. A vaga, idem


Uma nova lei garante que todas as escolas do Estado do Rio terão de oferecer pelo menos duas vagas em cada turma para crianças e adolescentes com autismo. Embora uma lei federal já determine, desde 2009, que toda escola deve aceitar crianças com deficiência, a realidade ainda é diferente. Escrevi um artigo para o Globo sobre a nossa saga por uma escola para o Felipe e minha opinião sobre a lei n° 6708/2014. Quem quiser ler, compartilho aqui (ok, com muito atraso, todo mundo já leu via Facebook!): http://oglobo.globo.com/rio/o-sorriso-sumiu-vaga-idem-11888930#ixzz2wFqiy3re