quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Bye, bye, escola regular

Parece contraditório. Eu, que sempre briguei tanto pela inclusão escolar de crianças com deficiência, estou tirando meu filho autista do ensino regular para colocar na educação especial.

Não foi uma decisão fácil. Matricular Felipe na escola especial foi admitir, definitivamente, que ele não terá, um dia, uma vida "normal" - esperança que eu já nutri, num passado cada vez mais distante.

Continuo defendendo a inclusão, é claro! Vivemos num mundo só, e ele é de todos. E é por isso que devemos, sim, obrigar as escolas regulares a receberem alunos com deficiência e cobrar as adaptações que forem necessárias. Só a família - nunca a escola ou a professora! - pode decidir o que é melhor para um filho: o ensino regular ou a educação especial.

Acontece que, no momento, achamos que a segunda opção poderá ser mais produtiva para o Felipe. Com dificuldades de aprendizagem sérias, é como se nosso menino tivesse caído de pára-quedas numa aula de grego de nível avançado.

Felipe estava numa turma de 2º ano do Ensino Fundamental, com crianças dois anos mais novas que ele. Enquanto elas vinham estudando sobre diferenças culturais e aprendendo a multiplicar, ele está iniciando a alfabetização e ainda tem dificuldade para quantificar. 
Obviamente, não dá para colocar Felipe no jardim de infância, com crianças ainda mais novas, por mais dócil que ele seja. Com 10 anos e 43kg, nosso príncipe já está com um pezinho na adolescência. 

Ainda que seus trabalhos e provas fossem "personalizados", sinto que Felipe estava perdendo um tempo precioso como ouvinte nessas aulas de "grego avançado". Em vez disso, ele poderia estar trabalhando mais intensamente para adquirir conhecimentos úteis, como informar seus dados pessoais ou relatar fatos ocorridos.


É claro que ele sempre mostra pra gente o quanto é um garoto esperto e que aprende coisas novas a todo momento. Mas achamos que seu potencial pode e deve ser mais explorado.

Os amigos da escola atual vão deixar saudades! Assim como os pequeninos da antiga creche deixaram. Meu menininho beijoqueiro é tão querido por todos! Mas sei que logo, logo Felipe terá conquistado o coração de seus novos amigos. 


Bye, bye, escola regular.
Educação especial, aí vamos nós.


***

PS. Encontrar a instituição de educação especial dos sonhos é missão impossível - se escola regular perfeita já é uma utopia... Mas ser recebida numa sala de aula com tantos beijos e abraços dos aluninhos da educação especial, como eu fui... isso não tem preço! 



segunda-feira, 2 de maio de 2016

Nosso príncipe Rafael


Faltava pouco para o Rafael nascer quando recebemos o diagnóstico de autismo de Felipe. Logo os nossos dias ficaram bem agitados: ora choros de um bebê com cólica, ora gritos de um menino com crises de ansiedade. Visitas ao pediatra pra saber quanto Rafa havia crescido (em tamanho), muitas idas a terapeutas pra ajudar Felipe a crescer (emocionalmente e cognitivamente). Vida de caçula não é fácil: os pais já sabem que seu bebê não vai quebrar e acabam sendo mais flexíveis em termos de atenção. Imagine se os pais também estão precisando, muito, de colo.

Talvez por isso Rafa tenha se tornado um verdadeiro showman: falante, alegre, independente em diversos aspectos e bem chegado aos holofotes. Mas a conta chegou. Ano passado, começamos a notar sua imaturidade emocional.

Com 4 anos, Rafa já falava sobre planetas, dinossauros e hábitos alimentares de animais selvagens, mas se recusava a fazer cocô no vaso - pedia fralda. Era totalmente independente nadando numa piscina funda, mas acordava de hora em hora todas as noites pra pedir mamadeira. Começou a reconhecer as letras e os números, mas chorava feito um bebê se lhe dessem uma bronca. Crescer é difícil mesmo. Ainda mais se seu irmão 5 anos mais velho ainda precisa de tanta ajuda.

Comecei a achar também que o ciúme do Rafa em relação ao Felipe ia além do ciúme normal de irmão. Vira e mexe ele "esquecia" o Felipe ao falar de nossa família. Eu temia a discriminação dentro de casa. Eu temia não estar fazendo um bom trabalho na conscientização do meu próprio filho.

Desde sempre, explicamos pro Rafa os motivos das dificuldades de aprendizagem e comunicação e dos comportamentos "estranhos" do Felipe. E ele aprendeu a explicar quando alguém, por exemplo, pergunta ao Felipe seu nome e fica sem resposta: "Meu irmão precisa de uma ajudinha para falar. Fala seu nome, Felipe! Fe...?". Mas, por mais que parecesse um "doutor" ao falar da deficiência do irmão, talvez no seu coraçãozinho ele não compreendesse tudo como parecia.

Essa história é para falar que os irmãos de uma criança com autismo, ou outra deficiência qualquer, precisam ser olhados com todo o cuidado. Agora estamos trabalhando o amadurecimento do Rafa. Com muita atenção, uma boa dose de afeto e outra de disciplina.

Nos últimos tempos, Rafa está bem carinhoso com o Felipe (no vídeo abaixo, ele quis cantar para acalmar o irmão que estava chorando, nervoso), embora goste mesmo é de mandar nele! Passou a fazer o cocô no vaso, largou a mamadeira e agora dorme a noite toda quase sempre, o que está sendo motivo de muita comemoração. O choro exagerado, bom, ainda estamos trabalhando nisso. Mas ele se gaba mesmo é de seus outros "conhecimentos": saber assoviar, estalar os dedos, dar cambalhotas e saltar bem alto. Esse menininho vai mesmo longe. Voa, Rafa!