terça-feira, 30 de julho de 2013

Linda não é fictícia

Quando soube que “Amor à vida” teria uma personagem autista, confesso que fiquei um pouco receosa. Qual seria a cara do autismo no horário nobre? Quem convive de perto com o transtorno sabe que ele pode ter muitas caras. Autistas que balançam o corpo. Que não falam. Que falam sem parar. Quietos demais. Agitados demais. Autistas que jamais aprendem a ler ou escrever. Autistas cotados para ganhar o Nobel de Física.

A questão é que, quando retratado no cinema ou na TV, o autismo — uma disfunção que afeta a capacidade de comunicação, de socialização e de comportamento — é, geralmente, de grau leve. E, assim, o espectador segue sem conhecer melhor as dificuldades que envolvem pelo menos 1 milhão de brasileiros.

Mas a cara do autismo na novela das nove não é maquiada. Linda, aos 20 anos, apresenta um atraso de linguagem severo, faz xixi na cama e tem crises desmedidas quando se desequilibra emocionalmente. Linda não é fictícia. Linda é bem real. E Bruna Linzmeyer a interpreta com maestria.

Torço muito para que todas as mães e pais estejam assistindo à novela. E entendam que aquela criança que viram no parquinho com comportamento inadequado talvez não seja mal-educada, mas sim, autista. E até incentivem seus filhos a fazer amizade com ela. Torço para que todos os professores estejam vendo a novela. E se interessem em conhecer a melhor forma de ensinar essas crianças com dificuldade de aprendizagem. Torço para que todos os brasileiros estejam acompanhando a novela. E se lembrem de Linda quando meu filho ou qualquer outro autista cruzar seus caminhos.



O texto foi escrito para a Revista da TV, do Globo, no dia 28/07/2013 (para visualizar no site do jornal, clique aqui).

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Um prenúncio do temido bullying


- Vamos embora, Bia, lá vem o "favelado" - disse Júlia, 5 anos, para a prima de 7, ao ver Felipe se aproximando do parquinho.

Júlia e Bia já tinham cruzado com Felipe na pousada algumas vezes e o viram correndo pra lá e pra cá, dando seus gritinhos engraçados, divertindo-se de forma um pouco diferente da convencional e tendo pequenas crises de irritabilidade. É claro que não fiquei zangada com a pequena e ri da palavra politicamente incorreta que ela escolheu: "favelado", quando o que ela pensava mesmo é que meu filhote era um baita dum mal-educado (e as duas palavras não são sinônimas!)... Mas é claro que essas situações sempre me fazem ficar preocupada com o que poderá vir pela frente, talvez na adolescência: o tão temido bullying.

No dia seguinte, mais um encontro no parquinho. Dessa vez, foi a Bia quem disse pra Júlia, quando a viu entrando num túnel ao mesmo tempo em que Felipe entrava na outra extremidade:

- Se eu fosse você, não entrava nesse túnel...

Júlia então percebeu a presença do meu príncipe e... ai, caramba, fugiu como o diabo foge da cruz. Decidi pedir uma ajudinha das duas pra cuidar do Rafa num brinquedo (bebês são irresistíveis com as meninas, hehehe) e assim acabei puxando papo com as primas, uma carioca e a outra, paulistana. E aí a Júlia me perguntou: "Quantos anos ele tem?", apontando para o Felipe, quase pedindo uma explicação para o fato de um menino tão grande não falar e  fazer tantas "besteiras". Aproveitei a deixa pra apresentá-la ao autismo.

- Ele vai fazer 7. Mas ele não fala e te parece um pouco estranho porque ele é autista, sabe o que é isso? Significa que o cérebro dele funciona de forma diferente, o que faz com que ele tenha dificuldade de se comunicar e de se relacionar com as pessoas. Mas ele gosta de muitas coisas que você gosta, como ir à piscina, no pula-pula... E fica muito feliz quando as outras crianças falam com ele e querem ajudá-lo a participar de uma brincadeira!

Júlia prestou atenção, fez um "Ã-hã", e vida que segue. Pelo menos, a partir daí, as meninas não fizeram mais comentários que pudessem deixar o Felipe triste (embora ele, aparentemente, estivesse alheio às sutis ofensas, mas nunca se sabe). É claro que tudo isso é coisa de criança e o alvo poderia ser qualquer um: o colega gordinho, o que usa óculos, o de outra etnia ou simplesmente um com quem o santo não bate. Mas, como não posso ensinar meu filho a se defender, e como sei que a maioria das mães, por falta de proximidade com o assunto ou mesmo desconhecimento, não conversa com seus filhos sobre pessoas com deficiências, achei que convinha falar.

Aliás, faço aqui um parênteses: quando eu era criança, tive um colega de classe que não falava. Eu não sabia o que ele tinha, só lembro que alguém me disse que ele não era surdo, como eu supunha. Ninguém nunca me explicou qual era o "problema" dele. E ele tinha um irmão - esse não tinha dificuldade de fala, mas era agitadíssimo, vivia quebrando as coisas e fazia muitas "besteiras" (como o Felipe, hehehe). Todos o achavam meio "retardado" - palavra horrível, eu sei, mas era a que usávamos na época, infelizmente. Nunca me aproximei deles pra brincar...

Então, se eu puder fazer um pedido a cada mãe ou pai que lerem esse texto, é que, quando houver uma oportunidade, explique aos seus filhos, de maneira lúdica, sem parecer um drama, o que é autismo. E TDAH. E Síndrome de Down. E porque algumas pessoas usam cadeiras de rodas. E que não é para rir do coleguinha se ele fizer xixi ou cocô na calça, por exemplo, ou se ele babar, ou ainda se ficar balançando as mãozinhas de maneira diferente. E que, por mais "batida" ou piegas que essa frase te pareça, SER DIFERENTE É NORMAL. Temos tido muitas provas ultimamente de que vááários adultos ainda não aprenderam essa lição, não é mesmo?