segunda-feira, 8 de julho de 2013

Um prenúncio do temido bullying


- Vamos embora, Bia, lá vem o "favelado" - disse Júlia, 5 anos, para a prima de 7, ao ver Felipe se aproximando do parquinho.

Júlia e Bia já tinham cruzado com Felipe na pousada algumas vezes e o viram correndo pra lá e pra cá, dando seus gritinhos engraçados, divertindo-se de forma um pouco diferente da convencional e tendo pequenas crises de irritabilidade. É claro que não fiquei zangada com a pequena e ri da palavra politicamente incorreta que ela escolheu: "favelado", quando o que ela pensava mesmo é que meu filhote era um baita dum mal-educado (e as duas palavras não são sinônimas!)... Mas é claro que essas situações sempre me fazem ficar preocupada com o que poderá vir pela frente, talvez na adolescência: o tão temido bullying.

No dia seguinte, mais um encontro no parquinho. Dessa vez, foi a Bia quem disse pra Júlia, quando a viu entrando num túnel ao mesmo tempo em que Felipe entrava na outra extremidade:

- Se eu fosse você, não entrava nesse túnel...

Júlia então percebeu a presença do meu príncipe e... ai, caramba, fugiu como o diabo foge da cruz. Decidi pedir uma ajudinha das duas pra cuidar do Rafa num brinquedo (bebês são irresistíveis com as meninas, hehehe) e assim acabei puxando papo com as primas, uma carioca e a outra, paulistana. E aí a Júlia me perguntou: "Quantos anos ele tem?", apontando para o Felipe, quase pedindo uma explicação para o fato de um menino tão grande não falar e  fazer tantas "besteiras". Aproveitei a deixa pra apresentá-la ao autismo.

- Ele vai fazer 7. Mas ele não fala e te parece um pouco estranho porque ele é autista, sabe o que é isso? Significa que o cérebro dele funciona de forma diferente, o que faz com que ele tenha dificuldade de se comunicar e de se relacionar com as pessoas. Mas ele gosta de muitas coisas que você gosta, como ir à piscina, no pula-pula... E fica muito feliz quando as outras crianças falam com ele e querem ajudá-lo a participar de uma brincadeira!

Júlia prestou atenção, fez um "Ã-hã", e vida que segue. Pelo menos, a partir daí, as meninas não fizeram mais comentários que pudessem deixar o Felipe triste (embora ele, aparentemente, estivesse alheio às sutis ofensas, mas nunca se sabe). É claro que tudo isso é coisa de criança e o alvo poderia ser qualquer um: o colega gordinho, o que usa óculos, o de outra etnia ou simplesmente um com quem o santo não bate. Mas, como não posso ensinar meu filho a se defender, e como sei que a maioria das mães, por falta de proximidade com o assunto ou mesmo desconhecimento, não conversa com seus filhos sobre pessoas com deficiências, achei que convinha falar.

Aliás, faço aqui um parênteses: quando eu era criança, tive um colega de classe que não falava. Eu não sabia o que ele tinha, só lembro que alguém me disse que ele não era surdo, como eu supunha. Ninguém nunca me explicou qual era o "problema" dele. E ele tinha um irmão - esse não tinha dificuldade de fala, mas era agitadíssimo, vivia quebrando as coisas e fazia muitas "besteiras" (como o Felipe, hehehe). Todos o achavam meio "retardado" - palavra horrível, eu sei, mas era a que usávamos na época, infelizmente. Nunca me aproximei deles pra brincar...

Então, se eu puder fazer um pedido a cada mãe ou pai que lerem esse texto, é que, quando houver uma oportunidade, explique aos seus filhos, de maneira lúdica, sem parecer um drama, o que é autismo. E TDAH. E Síndrome de Down. E porque algumas pessoas usam cadeiras de rodas. E que não é para rir do coleguinha se ele fizer xixi ou cocô na calça, por exemplo, ou se ele babar, ou ainda se ficar balançando as mãozinhas de maneira diferente. E que, por mais "batida" ou piegas que essa frase te pareça, SER DIFERENTE É NORMAL. Temos tido muitas provas ultimamente de que vááários adultos ainda não aprenderam essa lição, não é mesmo?



17 comentários:

  1. Inevitavelmente o alvo nos atinge. Sempre em cheio. Sempre no coração. Que legal a tua conversa com as meninas. Às vezes achamos que as crianças não nos ouvem muito, mas podes ter certeza que elas irão pensar duas vezes agora, antes de 'apontar o dedinho' pro que é diferente delas.
    Um beijo, querida!

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    1. Dani, é isso, me atinge no coração. Mas a gente vai plantando essas sementinhas por aí, né? Quem sabe elas não florescem? Beijo grande pra vc e pra tuas lindas.

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  2. Olá lu...meu nome é Mariana e moro no RJ. A única coisa q temos no momento é um diagnóstico de autismo ainda não confirmado e muita vontade de lutar. Estou completamente perdida e encontrei "abrigo" em seu blog! Gostaria se possível de conversar com vc sobre médicos, terapias....escolas! Vc teria algum email? Prometo não incomodar muito..
    Obrigada pela atenção...Deus os abençoe!

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    1. Mariana, não é incômodo algum, me escreva sim! O e-mail é o lucalaza@gmail.com. Um beijo!

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  3. Lu,
    tenho oito anos de diferença pra o meu segundo irmão. Certo dia, desci para o play onde meu pai morava com ele, pequenininho ainda, e um primo da mesma idade dele. Era calor e férias então estavam mais três ou quatro crianças lá. Um dos meninos que visivelmente era diferente fez coco na piscina, os outros meninos, ajudaram os pais a tirar ele da água. Enquanto a mãe limpava o menino e pedia pra ajuda de um funcionário para limpar a piscina os outros brincavam com ele pra distai-lo e ele não sentir constrangido com o fato de não conseguir se controlar. Quando o Lucas, meu irmão, e eu chegamos em casa, horas depois de muitas brincadeiras, ele nem comentou com os pais esse incidente. Aquilo realmente não importava para uma criança. Me lembro até hoje da mãe dele me dizendo uma frase q nunca mais me saiu da cabeça: " Acredito que só pessoas com muita capacidade de amar tem filhos como os meus". Ela tem um filho "normal" e outro com uma paralisia q não me lembro o nome, eu era adolescente. Isso tem muito mais de 10 anos. Mas o fato é que a conversa que aquela mãe teve com as crianças daquele prédio, que os pais deles tiveram também fizeram com que as diferenças não existissem e todos se divertissem muito. Sua conversa não foi em vão! parabéns pelo blog e pelos lindos filhos !

    Beijos
    Carol

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    1. Carol, estou emocionada... Tive essa conversa com os pais dos amiguinhos do Felipe da creche quando recebemos o diagnóstico. Foi uma conversa difícil, tive que reunir toda a minha coragem, pois eu ainda estava muito abalada. Mas foi a melhor coisa que fiz. Todos conversaram com seus filhos. As crianças entenderam que Felipe era diferente e estavam dispostos a ajudar. São crianças que eu vou amar para toda a vida, mesmo que a gente perca o contato. Beijos pra vc e obrigada pelo apoio! Lu.

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  4. Lu, li com o coração apertado e já sofri na primeira parte, quando ela mandou o "lá vem o favelado". Na verdade, meu sofrimento começou quando li a palavra "bullying". Por que as crianças são tão agressivas, né? Não as culpo, devo ter feito algo parecido nesta idade. Vai saber.. =/ Mas quando é com nossos filhos, o sofrimento é maior. Fico tensa só de pensar nesses momentos. Você lidou com tudo com muita sabedoria e autocontrole. rs Eu não sei se teria a mesma maturidade. Um beijo grande! Julia.

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  5. Julia, confesso que me sinto atingida, mas já passei por situações em que outras crianças riram do Felipe e entendi que faz parte... Agora já estou, digamos... "preparada" para isso! Sempre que eu tiver oportunidade, dou uma de mãe leoa e explico para as crianças! Hehehehe... Beijo!

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  6. Lu,
    a solução é sempre a educação, não é mesmo?
    Triste realidade crianças terem que conviver com preconceito, não dá para nos calarmos. Obrigada por apoiar nossa ação virtual!
    Abraços,
    Flávia Pellegrini
    @napracinha

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  7. Flávia, como mãe de uma criança especial, eu que preciso agradecer a iniciativa de vocês! Parabéns!

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  8. Nossa, Lu...que coisa mais linda é vc, viu???
    Já sabe o quanto te admiro e sou sua fã por sua relação saudável, espontânea e divertida (ainda com momentos mais angustiados, menos entusiasmados) com seu lindo príncipe Felipe!!!
    Seu pedido aos pais de terem esse cuidado de mostrar as diferentes características das pessoas (e não defeitos dramáticos, concordo com vc) aos seus filhos de maneira suave e real é sincero e respeitoso. Exemplo e conhecimento vindo dos pais são os mais significativos sempre!
    TE GOSTO DEMAIS E ESSES LINDOS TB! :)

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  9. Dri, estou aprendendo um pouquinho mais a cada dia. Sempre com a parceria dos profissionais maravilhosos que trabalham com o Felipe, como vc! Beijo!!! :)

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